quarta-feira, 16 de novembro de 2011

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Rio Capão Grande, nos dias atuais.


Rio Capão Grande, Campos do Pinhão, hoje localizado no município de Pinhão, PR.foto tirada em 1995.  Localização :

25° 44' 56.73" S  51° 52' 18.47" W   Ver no Google Earth.
Local em que foi realizado o acampamento dos amigos caçadores em 1948.                                                        


sábado, 30 de maio de 2009

Novamente nos Campos de Guarapuava




Eugenio Saraceni

Artigo originalmente publicado na Revista Caça e Pesca fascículo de Junho e Julho de 1948.





Aos meus queridos filhos Niblo e Marlene e a todos os caçadores, atiradores e pescadores do Brasil. Dedico esta despretensiosa reportagem.
E. Saraceni.






- Capítulos -
I - Filosofia Cristã –
II - Riquezas do Paraná –
III - Perspectivas de uma grande caçada –
IV – Os preparativos -
V - Convidado de Honra –
VI - Reunião prévia –
VII - Ausências –
VIII - A viagem –
IX - Primeiro dia no acampamento –
X - Espírito de cooperação –
XI - A primeira caçada –
XII - A vida no acampamento –
XIII - Descanso –
XIV - A honrosa participação do Governador Adhemar de Barros –
XV - Um caçador exímio –
XVI - O regresso –
XVII – Desfazendo calunias -


I - FILOSOFIA CRISTÃ.

Deus não criou a natureza – sua obra prima – para vaidade própria ou contemplação artística. Fê-lo, única e exclusivamente aliada pelo elevado propósito de proporcionar o bem e a riqueza a todo homem digno de sua existência. E para melhor servi-lo, deu-lhe corpo, alma, coração, sabedoria, e grande força espiritual alicerçada com amor e paz.
Esses dons divinos devem ser durante uma existência, preservados e ampliados, consoante à vontade de cada ser que Ele criou à sua imagem e semelhança... Só assim, isto é, dentro desse dogma evangélico, é que o individuo poderá ser digno de Deus e de si próprio. Sem essas virtudes, a humanidade continuara nas trevas da inveja, do ódio, da guerra e da destruição, das misérias e tristezas, do luto e dor.


II - RIQUEZAS DO PARANÁ.

O Paraná é, sem dúvida alguma, um dos Estados do Brasil mais privilegiados pela natureza. A impressão que se tem daquele magnífico recanto de nossa Pátria, é a de que Deus, ao criar o universo, ali se deteve mais tempo, pervagando, esboçando, escolhendo, sem esquecer o menor detalhe de sua técnica e arte incomparáveis! E da força criadora de sua divina e genial inspiração de artista, surgiram àquelas montanhas altaneiras, aquelas florestas verdejantes e imensas, aqueles campos alourados e intermináveis, os lagos serenos, aqueles rios de águas cristalinas e refrigerantes, sempre nervosas e apressadas quando no salto alucinante e ruidoso de centenas de cachoeiras, cuja pequenez se agiganta orgulhosa, na grandeza ciclópica das irmãs “Sete Quedas” e “Iguaçu!!!”
Esse o magnífico painel de cores pintado pelo divino Mestre, quando, com a magia de sua arte, fez surgir à abençoada terra brasileira! Na verdade tudo é grandioso e belo no Paraná. Sua gente é patriota, altiva, de índole profundamente cristã, ama o trabalho, é fraternal, amiga e tradicionalmente hospitaleira. O clima é temperado e ameno. Sua flora de lenhos preciosos tem por brasão os característicos pinheiros. Sua fauna terrestre e aquática é das mais variadas e abundantes do país e só perde para a do fabuloso Amazonas, considerada pelos mais Eminentes zoólogos, como a mais bela e rica do mundo!
No Paraná, além do feroz Jaguar, da Anta volumosa e pachorrenta, do garboso veado, do cateto matraqueador, da paca ligeira, da inofensiva capivara, do fulvo Guará, do Graxaim ladino, do utilíssimo Tamanduá e de tantos outros mamíferos, abundam as familiares codornas, mais que as nobres e solitárias perdizes, o veloz marreco, a esbelta narceja, o macuco astuto, a orgulhosa jacutinga, o imprudente jacu, o Nhambu arisco, o audacioso Uru, o Papagaio e a maracanã coloridos e tagarelas, as convencidas curicacas e entre uma infinidade de outras aves mais, os estridentes “Quero-Quero”, que são as sentinelas avançadas das campanhas sulinas. A Erva mate é nativa e no solo ubérrimo, planta-se sem adubo, com farta e compensadora colheita. As riquezas do subsolo são inúmeras. Nos rio a variedade e quantidade de peixes são enormes e a garimpagem encontra retribuição nos mais belos e custosos diamantes. Nos campos a pastagem encontra natural engorda dezenas de milhares de rezes que vão abastecer os mercados de toda a nação. Há ainda as árvores de várias indústrias poderosas, sendo notável a da carne e gordura e já famosa a de madeira, que ainda é a maior fonte de riqueza da terra dos pinheirais.
Esse grande Estado do Paraná que todos amamos e admiramos o rincão maravilhoso da Pátria; que com o esforço titânico de sua gente vigorosa, não desapontaram os legendários bandeirantes - irmãos de sangue e de tradição histórica – porque soube honrar e dignificar sua emancipação social, política e econômica de há quase um século, transformando-se, desde então, num dos maiores esteios da prosperidade e grandeza do Brasil!!!

III PERSPECTIVAS DE UMA GRANDE CAÇADA

O Paraná é, sem dúvida alguma, um dos Estados do Brasil mais privilegiados pela natureza. A impressão que se tem daquele magnífico recanto de nossa Pátria, é a de que Deus, ao criar o universo, ali se deteve mais tempo, pervagando, esboçando, escolhendo, sem esquecer o menor detalhe de sua técnica e arte incomparáveis! E da força criadora de sua divina e genial inspiração de artista, surgiram àquelas montanhas altaneiras, aquelas florestas verdejantes e imensas, aqueles campos alourados e intermináveis, os lagos serenos, aqueles rios de águas cristalinas e refrigerantes, sempre nervosas e apressadas quando no salto alucinante e ruidoso de centenas de cachoeiras, cuja pequenez se agiganta orgulhosa, na grandeza ciclópica das irmãs “Sete Quedas” e “Iguaçu!!!”
Esse o magnífico painel de cores pintado pelo divino Mestre, quando, com a magia de sua arte, fez surgir à abençoada terra brasileira! Na verdade tudo é grandioso e belo no Paraná. Sua gente é patriota, altiva, de índole profundamente cristã, ama o trabalho, é fraternal, amiga e tradicionalmente hospitaleira. O clima é temperado e ameno. Sua flora de lenhos preciosos tem por brasão os característicos pinheiros. Sua fauna terrestre e aquática é das mais variadas e abundantes do país e só perde para a do fabuloso Amazonas, considerada pelos mais Eminentes zoólogos, como a mais bela e rica do mundo!
No Paraná, além do feroz Jaguar, da Anta volumosa e pachorrenta, do garboso veado, do cateto matraqueador, da paca ligeira, da inofensiva capivara, do fulvo Guará, do Graxaim ladino, do utilíssimo Tamanduá e de tantos outros mamíferos, abundam as familiares codornas, mais que as nobres e solitárias perdizes, o veloz marreco, a esbelta narceja, o macuco astuto, a orgulhosa jacutinga, o imprudente jacu, o Nhambu arisco, o audacioso Uru, o Papagaio e a maracanã coloridos e tagarelas, as convencidas curicacas e entre uma infinidade de outras aves mais, os estridentes “Quero-Quero”, que são as sentinelas avançadas das campanhas sulinas. A Erva mate é nativa e no solo ubérrimo, planta-se sem adubo, com farta e compensadora colheita. As riquezas do subsolo são inúmeras. Nos rio a variedade e quantidade de peixes são enormes e a garimpagem encontra retribuição nos mais belos e custosos diamantes. Nos campos a pastagem encontra natural engorda dezenas de milhares de rezes que vão abastecer os mercados de toda a nação. Há ainda as árvores de várias indústrias poderosas, sendo notável a da carne e gordura e já famosa a de madeira, que ainda é a maior fonte de riqueza da terra dos pinheirais.
Esse grande Estado do Paraná que todos amamos e admiramos o rincão maravilhoso da Pátria; que com o esforço titânico de sua gente vigorosa, não desapontaram os legendários bandeirantes - irmãos de sangue e de tradição histórica – porque soube honrar e dignificar sua emancipação social, política e econômica de há quase um século, transformando-se, desde então, num dos maiores esteios da prosperidade e grandeza do Brasil!!!

IV - OS PREPARATIVOS.

Avalie-se, pois, com que ansiedade, com que alvoroço; iniciamos os preparativos dessa caçada. Com três meses de antecedência e com a habilidade e experiência já comprovadas por esse eminente esportista que é o Dr. Jurandyr Vianna Esteves, chefe e organizador de nossas caçadas, tudo ou quase tudo foi providenciado para que mais essa grande incursão se revestisse do brilho das anteriores. Sobre os detalhes dos preparativos muito teríamos que contar. No entanto, limitar-nos-emos, apenas, a assinalar, com imenso reconhecimento e gratidão, o dinamismo e o devotamento com que nosso querido chefe Jurandyr, se desobrigou dos principais e pesados encargos assumidos, embora todos os demais componentes da turma houvessem prestado a ele, a mais eficiente e leal das cooperações!
O aproveitamento da caça, nossa maior preocupação, mereceu especial carinho do incansável chefe. Tanto é verdade que com um mês de antecedência, foi ele que seguiu para Ponta Grossa, onde, com o seu prestigio, mais o dos prestimosos amigos Menandro e Heládio, conseguiu o frigorífico de importante empresa para conservação da caça abatida. Esta seria enviada do acampamento para ali, de dois em dois dias, o que realmente se fez, com aproveitamento integral. Tal providencia constituiu o principal sucesso de toda a caçada e dispensou o árduo e dispendioso processo de enlatamento da caça em banha, cujos resultados nem sempre são satisfatórios. Por isso, consignamos aos ilustres diretores daquela empresa, que gentilmente cedeu o frigorífico, os nossos agradecimentos. A Jurandyr Vianna Esteves também se deve o empréstimo de dois carros “Ford”: uma “jardineira”e um “sedan”. Esses automóveis, apesar de alguns defeitos mecânicos e conseqüentes transtornos, prestaram bons serviços quer no transporte da caça, num percurso de 560 quilômetros, ida e volta, quer levando os caçadores aos locais das caçadas.

V - CONVIDADO DE HONRA.

Amigos pessoais que de longa data somos do Sr. Dr. Adhemar de Barros, dd. Governador do Estado de São Paulo, e de acordo com a promessa que s. excia nos fizera no ano passado, de que gostaria de participar desta grande caçada, resolvemos ir ao palácio a fim de reiterar-lhe o convite e saber se nos iria conceder a insigne honra de sua presença no acampamento de “Capão Grande”, mesmo que fosse por alguns dias. A bondade do Dr. Borges, ilustre chefe do gabinete do Sr. Governador, levou-nos à presença de s. excia que nos recebeu com a amabilidade de costume. Ao interar-se de nossa visita, s. excia que é um tão exímio atirador quanto caçador, mostrou-se vivamente interessado, dizendo-nos que não só não esquecera a promessa, como também que iria cumpri-la, pois, segundo afirmou, estava necessitando de alguns dias de repouso, num ambiente calmo e amigo, e no qual, aliando o útil ao agradável, pudesse praticar o esporte de sua predileção. Escusado dizer que essa resolução nos envaideceu profundamente. Com s. excia acertamos todos os detalhes da viagem que, para sua comodidade, resolveu marcar para o dia nove de maio, ou seja, para os últimos dias da caçada que íamos iniciar no dia primeiro. Eram esses, pois, os únicos dois dias de que s. excia podia realmente dispor. Por fim, nos despedimos com o coração transbordante de alegria e orgulho, certos de que S.excia não faltaria à promessa, aliás, por demais honrosa para nós. E realmente não faltou. Mas esse é outro capitulo que iria ficar, como ficou indelevelmente gravado no coração desvanecido de todos os componentes da turma de caçadores de “Capão Grande”e dos fazendeiros e sitiantes das redondezas. O convite ao Sr. Governador, tornamo-lo extensivo aos exmos. Srs. Drs. Oswaldo Pereira de Barros e Antoni Emídio de Barros Filho, irmãos de S. excia. e nossos amigos diletos. Assoberbados com os múltiplos afazeres inerentes aos altos cargos que exercem, esses nossos ilustres confrades em Santo Humberto, lamentaram não poderem comparecer e, depois de agradecer o convite, se reservaram o direito e aceitá-lo noutra caçada em ocasião mais oportuna.

VI - REUNIÃO PRÉVIA.

Indispensável o ultimo acerto, principalmente quando se trata da realização de uma caçada de grande envergadura como aquela que íamos fazer. Com esse propósito nos reunimos na noite de primeiro de abril, especialmente convocados pelo Dr. Jurandyr, na confortável e aristocrática mansão de seus ilustres progenitores, sita à Alameda Santos. Não será exagero afirmar que quando entramos no vasto salão de jantar do solar Esteves, nossos olhos se extasiaram ante a beleza do recinto rica e artisticamente ornamentado. Figura da elite paulistana, onde se destacavam graciosas e elegantes muitas senhoras e senhoritas, palestravam animadamente em torno de bem aparelhada e extensa mesa, repleta dos mais finos doces e salgados, havendo ainda muitas bebidas e licores para os paladares mais requintados. Entre surpresos e deslumbrados, estranhamos o verdadeiro motivo daquela reunião elegante. Observando melhor, vimos várias bonecas custosas, e à cabeceira da mesa, a copia fiel de um castelo em miniatura, com suas torres, ameias, seteiras, janelas e até um príncipe e uma princesa, em conto de fadas! Não era preciso ser tão arguto, para descobrir o motivo daquela festa. Estava desvendado o mistério. Tratava-se de uma festa de criança, para uso e gozo de marmanjos... E quem fora a maravilhosa artista criadora de tudo aquilo? Apenas D. Hespérides, a encantadora esposa do nosso chefe Jurandyr. Festejava-se, ali, o aniversario natalício da graciosa Iramaia, filhinha do casal Jurandyr Vianna Esteves. E, este querido amigo, num propósito muito louvável e feliz, fizera coincidir nossa reunião com aquela festa. Que esteve linda e elegante como as anfitriãs Dona Diva e Dona Hespérides. D. Diva é a adorável mãezinha de nosso Jurandyr, o paranaense bem brasileiro e paulista, dono de aprimorada inteligência e de um grande coração e que sabe conquistar e manter amizades! Foi nesse ambiente festivo que ultimamos todos os detalhes da caçada, marcando-se a partida para o dia 27 de abril. E quando anunciamos a possível participação do Sr. Governador Adhemar de Barros, estrugiu calorosa, entusiástica e prolongada salva de palmas!

VII - AUSÊNCIAS.

Alegando motivos imperiosos e inadiáveis, com grande pesar nosso; não puderam participar da caçada, para a qual haviam sido insistentemente convidados, nossos estimados companheiros senhores:
RAUL ROSA,
RENATO GIUSTI,
FRANCISCO GOMES QUEIJA,
LINO GOMES QUEIJA,
CHERUBIM PICHI,
ROBERTO AZEREDO,
JOSÉ ALBERTO DA SILVEIRA.
Cujas ausências nos privou de uma cooperação valiosa e, sobretudo, fraternal.

VIII - A VIAGEM.

Na terça-feira, dia 27 de abril de 1948, às 17:30 horas, seguimos pelo noturno da Sorocabana; rumo à Ponta Grossa, nós, o POCI, o JUTAHY, o PALMIERI e o EZIO, este, sobrinho do POCI e, por ser muito jovem, bastante impaciente para estrear na sua primeira e grande caçada. A Jaguariaíva, formosa terra dos queridos e hospitaleiros; RIBAS do “Lajeado Grande” e da “Casa Nova”, chegamos às 8:00 horas da manhã seguinte. Aguardavam-nos ali o JURANDYR, o PEDRÃO, e o gigantesco HUMBERTO CICCARINO, dono de um grande coração e de uma força muscular assombrosa; sendo ainda um dos caçadores mais espirituosos que já conhecemos. Sua verve é inata, brota como água da fonte que borbulha como a cascata! Enfim, onde está o Ciccarino, está a gargalhada... Depois dos abraços e perguntas, o JURANDYR seguiu conosco para Ponta Grossa e o JUTAHY no “Ford”, com o CICCARINO e o PEDRÃO. Com excelente viagem chegamos ã culta e prospera Ponta Grossa, trampolim de nossa caçada. Como sempre, lá estavam os infalíveis amigos MENANDRO e HELÁDIO, que acompanhados de OZIRIS, jovem e talentoso filho do MENANDRO, nos receberam jubilosos. Da estação rumamos para o Palace Hotel e, dali para a residência do MENANDRO, onde sua exma. Esposa, a distinta e bondosa dama que é D. NÔRA, nos serviu lauto almoço, atestando seu bom gosto e perícia na arte culinária, nos serviu mais ricos e deliciosos manjares, dos quais destacamos três especialidades já “patenteadas” a “Codorna”, a “empada de camarão” e o “rocambole”, três pratos digno dos Deuses do Olympo! Discursamos para saudar o distinto e acolhedor casal Menandro e significar nossa alegria por estarmos, com a graça de Deus, novamente reunidos e já nas vésperas da grande caçada. À tardinha, após algumas visitas e providencias, voltamos à casa do MENANDRO, para um lanche que mais parecia um jantar. Santo Deus! Mas “cadê” lugar para tanta coisa! É notório que o clima de Ponta Grossa ajuda a digerir depressa... Tanto é verdade, que a noite fizemos o absurdo gastronômico de jantar no hotel e, a seguir, fomos a uma “beliscada” na residência do HELÁDIO, cuja elegante e graciosa esposa D. ZELITA, nos preparara gulosa mesa de petiscos. E que mesa! Ali havia de tudo e tudo dispostos com finesse’. Como na residência do MENANDRO, a turma toda compareceu, fazendo um luxinho para comer. É sabido que o apetite do caçador é permanente e... Por isso, a turma começou a agredir os deliciosos petiscos com tamanha voracidade, que num relâmpago pouco restava daquela que tinha sido uma farta mesa de petiscos! Também, pudera!... Só o POCI e o CICCARINO liquidaram duas pirâmides de croquetes, duas de doces, uma garrafa de uísque e meia dúzia de cerveja! “Mamãe, que barbaridade!!!” Em nome da turma pedimos desculpas por essa monstruosidade pantaguélica, ao mesmo tempo em que consignamos aos distintos casais MENANDRO e HELADIO, os nossos agradecimentos por todas as gentilezas e atenções que recebemos durante nossa curta, mas “devoradora” permanência em Ponta Grossa. Transportando 15 cães perdigueiros e toda a nossa tralha de caçada, composta de víveres, bebidas, barracas, gasolina, óleo, etc... Nessa mesma tarde e após fazer boa viagem, chegou nosso caminhão, um “Chevrolet gigante” 1948, novo em folha e providencialmente contratado em Santo Amaro pelo Dr. POCI, esse notável médico e consagrado esportista que todos admiramos. Mas se o Dr. POCI, por mais essa valiosa contribuição merece louvores, estes devem ser repartidos com o proprietário do caminhão o jovem e competente sr. WAGNER, pelo cuidado e solicitude e seu tio Sr. JOSÉ IMPERIO. O Sr. WAGNER, pelo cuidado e solicitudes revelados durante a viagem de ida e volta, no acampamento e no transporte dos caçadores até os campos. O Sr. IMPÉRIO, por ter sido um dedicado colaborador nosso e do sobrinho, principalmente no desvelo com a cachorrada e ainda, pela eficiência demonstrada como exímio caçador e componente da turma. Em Ponta Grossa o caminhão apanhou o cozinheiro, o cachorreiro, os trens de cozinha e na madrugada; seguiu para a Fazenda “Capão Grande”, nosso destino, onde iríamos viver os dias mais felizes de nossa vida de caçadores! O grosso da turma partiu pela manhã, indo parte no “sedan” dirigido pelo CICCARINO e o restante na “jardineira” pilotada pelo JOÃO PEDRO MASINI, um bom caçador e ótimo companheiro, também conhecido nas rodas de Ponta Grossa pela intima alcunha de “NHÔ GANSO”. A atuação desse distinto jovem em toda a caçada, não desmentiu e nem desmereceu o justo renome do pai, que se pode orgulhar de ter perpetuado no filho, a mesma chama olímpica que ainda lhe acalenta o coração de veterano caçador. Em Guarapuava fizemos rápida visita ao bom amigo Dr. Atino Borba, brilhante causídico e figura de relevo nos meios sociais e esportivos do Paraná. Depois de havermos instruído quanto às providencias a tomar na possível chegada do governador Adhemar de Barros, flechamos diretamente para o “Capão Grande”, aonde chegamos ã tardinha. Gastamos no trajeto de 380 km, ou seja, de Ponta Grossa à Capão Grande, cerca de 10 horas! Urgia montar as barracas antes da calada da noite. E graças à cooperação geral, em menos de uma hora todo acampamento estava montado e iluminado; a cachorrada acomodada e, da cozinha, já nos aguçava o olfato o delicioso aroma dos bifes grelhados e do café, que pouco depois, forraram nossos estômagos, sendo esse o nosso primeiro jantar em plena campanha! Sim, finalmente ali estávamos todos reunidos na mais sadia e jovial das camaradagens esportivas! Nosso sonho, nosso desejo acarinhado durante um ano estava se realizando!... Tudo estava ali, sem ter sofrido a menor solução de continuidade! Os capões, a cerca de taipas que lembrava o suor dos escravos, o rio sinuoso, a cachoeira ruidosa, os campos intermináveis que se estendia ao redor, aquela noite fria, a lua e aquelas estrelas penduradas como lanternas. Sim, tudo aquilo, toda aquela gente simples, bondosa e hospitaleira, formavam aquele cenário tão familiar e que vivia iluminado na tela de nossas recordações, estava ali a nossa disposição, como um dos bens supremos da Vida! Foi nesse enlevo que adormecemos...

X - ESPIRITO DE COOPERAÇÃO.

Essas atribuições não impediam que cada componente-caçador se entregasse a outros místeres. E esses eram os mais variados. Ia desde a limpeza do acampamento, lavar roupa, cortar lenha, carregá-la, dirigir automóvel, andar, caçar, lavar o perdigueiro, dar-lhe água e comida, comer, beber e... Até dormir. O MENANDRO e o CICCARINO, por exemplo, depois de tudo isso e de caçar o dia inteiro, fizeram uma duríssima viagem do Acampamento à Ponta Grossa para levar a caça ao frigorífico, e só regressaram na noite do dia seguinte, engolindo 560 km de percurso em 24 horas! O JOÃO PEDRO MASINI também fez idêntica façanha noutra viagem! “Eta, cabras machos!” Só mesmo com muito espírito esportivo é que isso poderia ser feito! Há ainda mais. O POCI, por seu turno, ficou encarregado da limpeza e funcionamento das cinco lanternas a gasolina e, graças a ele, o acampamento nunca ficou às escuras! Com isso, o grande médico juntou mais um título aos muitos que possuí: o de “Doutor das Lanternas!” Imbuídos desse espírito de cooperação é que cada um cuidou de fazer aquilo que lhe competia ou não. Por isso correu tudo bem. E que maravilha não seria o mundo se esse espírito de mútua cooperação, se esse entendimento imperasse em todos os setores da atividade humana! A vida seria menos difícil, os povos mais felizes e as nações mais prosperas e ricas! À noite, depois do jantar, combinou-se tudo para a grande “pegada” do dia seguinte. Ou seja, no dia primeiro de maio, a data da abertura da estação de caça, ansiosamente aguardada e festiva para todos os amantes de “Diana” - a formosa Deusa da caça – Depois de muitos comentários e de muita codorna e perdiz hipoteticamente abatidas, adormecemos prelibando o prazer das sensações da primeira grande caçada de 1948!

IX - PRIMEIRO DIA NO ACAMPAMENTO.

Pela manhã, fomos despertados pelo chamado característico e infalível do MENANDRO. Um prolongado e agudo; - “ACÓOOORDA MINHA GENTE!...” Com esse brado, repetido de barraca em barraca, os perdigueiros se alvoroçaram e os latidos nos obrigaram a levantar. A custo; deixamos nossas frágeis, mas confortáveis camas de campanha e fomos mergulhar nas águas espumantes e frias da cachoeira. Após esse banho revigorante, um bom café, com leite, pão, manteiga, lingüiça e ovos fritos, foi o remate. O resto da manhã; aproveitamo-lo na arrumação do acampamento; limpeza do terreno, visitas aos fazendeiros vizinhos e em algumas compras de frangos, galinhas e ovos, cujo preço irrisório nos fez odiar ainda mais os “tubarões e piranhas” da Paulicéia... Imaginem só, senhoras donas de casa! Frangos e galinhas de tamanho descomunal, a dez cruzeiros cada, e ovos a seis cruzeiros a dúzia! Após o suculento almoço preparado pelo “Pequenininho”, tiramos uma boa soneca. Ah! Ia-me esquecendo! Os perdigueiros também se deliciaram com a “bóia” preparada pelo “Nhô Barra”. À tarde, nosso chefe promoveu uma reunião para organização definitiva da turma, que ficou assim constituída:

Presidente de Honra:
Dr. ADHEMAR PEREIRA DE BARROS.
Chefe: (Organizador da caçada e Tesoureiro)
Dr. JURANDYR VIANNA ESTEVES.
Assistente:
PEDRO DA ROCHA CHUEIRI.
Médicos:
Dr. ARMANDO POCI e
Dr. JUTAHY VIANNA ESTEVES.
Cirurgião dentista e cinegrafista:
Dr. AMADEU PALMIERI.
Cronista esportivo e fotografo:
EUGENIO SARACENI.
Guia:
HELADIO VIDAL CORREIA.
Acampamento:
HUMBERTO E JOSÉ (JUCA) CICCARINO.
JOÃO PEDRO MASINI.
EZIO VIGIANI.
Chofér (Motorista):
WAGNER DE LOSSIO SEIBLITZ.
Combustivel:
JOSÉ IMPÉRIO.
Cozinheiro:
RAIMUNDO VILALBA ( PEQUENININHO)
Cachorreiro:
MANOEL J. SANTOS (NHÔ BARRA).

XI - A PRIMEIRA CAÇADA.

Na madrugada da manhã seguinte, quando o MENANDRO gritou o “acorda minha gente”, já de há muito estávamos acordados. Tomar banho, vestir, tomar café e preparar-se foi obra de um instante. Antes da partida, porem; reunimos-nos para o “Halali” de praxe. Falou nessa ocasião o chefe Dr. Jurandyr, que em breves mais sentidas palavras, propôs um “Halali” com duas salvas de estilo, sendo uma em reverencia a memória de parentes, amigos, atiradores e caçadores desaparecidos e, outra, dedicada aos perdigueiros mortos, esses humildes e fieis companheiros que tantas emoções nos proporcionam na caçada! Apelou ainda o orador para a ética do verdadeiro caçador, terminando por referir-se à honra e ao prazer de que achava possuído, não só em poder facultar à turma mais uma grande caçada, como ainda, por caçar na companhia de amigos leais e dedicados, entre os quais alguns de renome no firmamento da cinegética e do tiro ao vôo nacional. No, entretanto, e isso somos nós que o afirmamos, o que o orador não podia fazer, por questão de ética, o fazemos nós agora, incluindo entre os astros desse firmamento! A seguir foram executadas as salvas “Halali”. Finda a comovente cerimônia, a turma partiu em três grupos e direções diferentes para a “pegada” nas fazendas vizinhas. É preciso dizer que na véspera, preocupava-nos a seca que há mais de 30 dias persistia naquelas paragens. Nosso maior desejo, pois, era que chovesse pelo menos durante a noite, isto para refrescar os campos e não maltratar a cachorrada. Que pretensão absurda, não? Pois é, caros amigos parece inverossímil, mas aconteceu. E só podemos acreditar que nossas preces foram ouvidas, pois, durante a madrugada, como obra providencial, desabou forte chuva, continuando menos densa, mas persistente durante quase todo o dia. Esse fato, sem dúvida, fez melhorar as condições da caçada! A caça “espirrava” de todo o lado. E note-se, que já havíamos batido aquela zona por dois anos consecutivos e com resultados mais que compensadores. São os milagres da reprodução, que só se verificam quando o caçador deixa alguma caça para reproduzir...
Começamos debaixo de uma chuvinha que molhou a roupa, as botas, o corpo e até os ossos! Chuvinha cacete mesmo, mas que era gostosa, lá isso era!... Só o nevoeiro prejudicou um tanto; a visibilidade e a conseqüente orientação no campo, acarretando erros de referencias bem exaustivos. Nós por exemplo, quando julgávamos estar marchando em direção à casa da fazenda do estimado Sr. Pedro Dangui, fomos bater na casa de outra fazenda, com um pequeno desvio de 6 quilômetros! Safa! Mas voltemos à caçada. Apesar da chuva e da macega molhada, os cães farejavam a caça com maior facilidade. Este fato põe por terra o critério de que com chuva a caça não anda e o perdigueiro perde o faro na macega molhada, Pois, prezados e valorosos confrades de Santo Humberto! Contrariando tal suposição, durante essa “pegada” com grande estilo, de todos os lados ouvia-se um intenso “pipocar” de tiros e quando a turma regressava ao acampamento quase ao escurecer. Muitas codornas haviam sido abatidas, nelas se incluindo várias dezenas de perdizes bem “taludas”. E atendamos a este fato bem curioso: nos demais dias da temporada fez um tempo magnífico, batemos outras zonas de caça abundante e com resultados sastifatórios. Entretanto, em nenhum desses radiosos dias de sol, pudemos superar o total abatido no primeiro dia, chuvoso e frio!

XII - À VIDA NO ACAMPAMENTO.

No dealbar, acordávamos com o “acorda minha gente”, o toque de levantar ouvia-se distintamente dos capões próximos, a doce mistura de gorjeios, alvorada do MENANDRO, o primeiro a se deitar e sempre o primeiro a levantar-se, para “criminosamente” sacudir a turma que sonolenta... Continuava dormindo nas adoráveis barracas. O bom MENANDRO; nessas ocasiões, dava-nos a impressão de um autentico algoz de Torquemada! E para confirmar essa impressão, dali a pouco voltava ele para acordar os mais preguiçosos! Para consegui-lo, porém punha-os em brio com a seguinte pergunta repetida invariavelmente; todas as manhãs: - “Como é seus... (aqui vinha um pesado insulto)”. E, prosseguindo, - “Vocês vieram aqui caçar? Ou pra dormir!” O mais teimoso de todos era o PALMIERI, o nosso querido “ranzinza”, que só se levantava depois do café servido pelo “Pequenininho!” Sem a rubiácea saborosa e fumegante, não havia cristão que o tirasse da cama! “Questão de hábito”, dizia ele. Depois de nós, tudo lá fora despertava menos a insone cachoeira, sempre a reclamar, com o fragor de suas águas borbulhantes, o sono reparador que nunca virá... E apesar desse lamento incessante, da passarada e a tagarelice de centenas de papagaios e maracanãs, com suas cores bem brasileiras... Rápidos, sobre nós passavam pequenos bandos de marrecas assustadas e assustando os “socós”, as “saracuras” e as “curicacas” que, na margem do rio próximo “garimpavam” calmamente para o papo em jejum, os apetitosos restos de comida do acampamento... Como o lendário guerreiro “Guayracá”, lá nos campos estava os estridentes “quero-queros”, a protestarem contra nossa intromissão, com vôos curtos, graciosos, envolventes e mesmo provocadores!... Era a natureza a festejar o sol que despontava! E não era só a natureza, não. Quinze perdigueiros também afoitos por caçar; ladravam fazendo um barulho infernal... Era assim todos os dias o despertar em nosso acampamento.
A rotina quase sempre a mesma. Cedo íamos ao banho, e depois do chimarrão preparado pelo MENANDRO ou pelo “NHÔ BARRA”; sorvíamos delicioso café-reforçado, que valia por um almoço. “PEQUENININHO” cuidava de nossa “bóia” e “NHÔ BARRA” da dos perdigueiros.

XII - À VIDA NO ACAMPAMENTO. continuação

Depois, nos dividíamos em três grupos com escala e destino previamente escolhidos pelo chefe. O grupo maior ia no caminhão do WAGNER e os dois menores se acomodavam no “sedan” e na “jardineira”. E lá íamos todos, estrada há fora, dar nossas “pegadas” nas fazendas vizinhas, onde, além de caçar quase sempre almoçávamos fartamente, a convite de fazendeiros amigos e hospitaleiros como os Srs. João Ribas, Domingos Maciel Ribas, Néco, Túlio e Pedro Dangui, Fausto Pinheiro, Tonico Pacheco, Cel. Amazonas Caldas, os irmãos Gentil Ferreira (ex-bigodudos), o Otavio Antunes da Cruz, nosso querido “Chita”, “Seu” Alencar, o compadre “Mingado” e tantos outros bondosos paranaenses, cujas atenções jamais esqueceremos. A caçada em geral era feita no período da manhã. E ou almoçávamos na fazenda ou no próprio acampamento. Mas almoçar na fazenda era sempre melhor... O resto da tarde se destinava ao repouso, à soneca e a outras coisas mais. À noite, as poderosas lanternas, cuidadas pelo Dr. POCI, iluminavam festivamente todo o acampamento composto de seis barracas, a saber: a do JURANDYR, a do MENANDRO, a do PALMIERI, A do POCI (que neste ano desbancou a do PALMIERI), a da intendência, onde se guardavam os “bebíveis e comestíveis” e a da cozinha, a mais preferida de todas. Alem dessas seis barracas, tínhamos as barraquinhas destinadas aos perdigueiros, que neste ano ficaram mais bem resguardados, graças a feliz sugestão do Dr. Amadeu Palmieri. Após o jantar, sempre variado, todos se reuniam ao pé do fogo ou nas barracas, para os habituais comentários das múltiplas sensações da caçada. A seguir, vinha às anedotas, as gargalhada desopilantes, a jogatina, os goles de “marsala al’uovo”, de uísque, conhaque ou pura “cachaça”, isto segundo as preferências de cada um. Mas na verdade a turma chupava tudo! Fechando o ciclo da rotina, vinha depois um café e todos iam para a cama; gozar um sono reparador... Isto, quando o CICCARINO o permitia, pois sofrendo permanentemente de insônia, vinha “encher o saco” da turma que estava morta de sono...

XIII - O DESCANSO.

É praxe nossa, nas grandes caçadas, reservar de dois em dois dias um dia para repouso nosso e dos perdigueiros. Nesse dia o reboliço no acampamento é completo. Camas, colchões e cobertas ao sol, limpeza de armas e lavagem de roupa, praticávamos nudismo, tomávamos banho e dávamos banho nos perdigueiros, arrumávamos as barracas, limpávamos o acampamento, fotografávamos e o PALMIERI, o emérito cinegético, sempre desprendido, filmava as melhores cenas. Como nos anos anteriores, muitas e muitas vezes, renunciou até o prazer de caçar, a fim de filmar companheiros ou fazes da caçada! Estamos certos de que ele, com a competência de sempre, soube fixar nos celulóide os ângulos mais interessantes. De permeio a essa atividade febril, atendíamos aos fazendeiros que vinham retribuir nossas visitas e aos quais distraiamos com palestras ou com a rica “coleção de cartões”, quase sempre passada de mão em mão com explosões de gargalhadas... O total da caça era dividido em partes iguais entre todos os caçadores da turma, sendo digna de registro a amável desistência do MENANDRO e do HELADIO, cujo total reverteu em beneficio dos demais companheiros. A fiscalização do desvisceramento da caça, a separação, a contagem e acondicionamento em sacos de lona, cuja cor variava para cada grupo de 4 caçadores. Era tarefa por demais árdua e dela se desincumbiu, impecavelmente, o Dr. JURANDYR VIANNA ESTEVES, nosso chefe insubstituível e principal esteio de todo o sucesso de mais essa grande caçada! Nesse dia, também se fazia a verificação do “Livro-Caixa”, de cuja contabilização esteve encarregado o simpático PEDRÃO, esse fidalgo companheiro que em poucos anos se revelou uma das maiores figuras da cinegética paranaense. Obrigado discricionariamente pela turma a improvisar-se perito na difícil arte dos números, nosso PEDRÃO fez alguns pequenos enganos... Lançou parcelas do “debito” na coluna do “credito” e vice-versa, fazendo uma confusão tremenda! Na verificação periódica do “caixa”, quem sofria pânico era o JURANDYR, que também acumulava as funções de tesoureiro. Tanto é verdade, toda a vez que ele perguntava ao PEDRÀO qual o saldo em caixa, este dava um saldo sempre bem maior do que o dinheiro que o JURANDYR tinha nos bolsos. Seguia-se sempre, entre os dois uma delicada troca de insultos. Mas no fim, dava tudo certo. MENANDRO BLANC o infatigável companheiro de “farras” do HELADIO o “pau para toda obra”, e durante toda a caçada foi tão elevada a sua eficiência que consolidou ainda mais a alcunha de “Búfalo Bill” e o justo renome de “Primus inter pares” dos caçadores paranaenses. HELADIO, o nosso discreto e legendário “major”, cuidava com todo zelo da intendência geral e não desmereceu a fama de grande caçador. O elegante e simpático; Dr. JUTAHY VIANNA ESTEVES, irmão do chefe, alem de atuar com destaque e pujança certeira dos tiros, cooperou eficientemente com o Dr. POCI, outro exímio caçador, quer nos curativos de emergência quer atendendo, tanto no acampamento como nas fazendas, às consultas dos fazendeiros e sitiantes das redondezas. Ambos dispensaram aos pacientes as luzes generosas e benfazejas da medicina. JOÃO PEDRO MASINI, EZZIO VIGGIANI e os irmãos HUMBERTO e JOSÉ CICCARINO, foram ótimos caçadores e excelentes encarregados do acampamento. No, entretanto, é preciso que se diga que o mais sacrificado de todos esses encarregados, foi o calouro da turma, o nosso risonho e cordato EZIO VIGGIANI, também conhecido nas rodas familiares e peninsulares pelo cognome de “Zi __uete” (tio padre). Seu principal algoz, porem, foi o Dr. PALMIERI, que fez dele um verdadeiro “burro de carga” da barraca do POCI. Era “EZIO pra cá, EZIO pra lá, limpe isto, remova aquilo”, até o “vaso noturno” do PALMIERI o coitado era obrigado a despejar e lavar... E suportando os suplícios isso tudo o bondoso EZIO fazia... Compenetrado da sua condição de “calouro”, para ganhar os alamares de caçador-veterano! Também o JOSÉ CICCARINO merece as galas de outro destaque para salientar sua loquacidade... Em toda a temporada dos dezessete dias, o nosso bom “JUCA” falou, falou, mas falou no máximo umas... Vinte palavras! Em compensação, o irmão, o nosso HUMBERTO CICCARINO, falou por ele e por toda a turma! Por sua vez, “PEQUENININHO”, o paraguaio de coração paranaense e alma de brasileiro, esmerava-se no preparo da comida, fazendo, de vez em quando, surpresas culinárias para regalo de nossos estômagos. Vale a pena recordar, e isso o fazemos com “água na boca:”, a perdiz no leite, a codorna de caçarola e as repolhudas galinhas com recheio, assadas à maneira dos índios. O POCI e o CICCARINO, também faziam delicias na cozinha, chegando algumas vezes a desbancar o “PEQUENININHO”! O fato mais notável foi a inesquecível macarronada com molho de perdizes e codornas. Era preciso ver como estava cômico o CICCARINO, com aquele avental e gorro branco “a la” mestre cuca... Sobre um caixão previamente lixado e limpo, ele preparou a massa, estendendo-a depois com um pau roliço da barraca do POCI. Este, por sua vez, enrolou a massa, cortando-a em simétricos “talharins”. E com que agilidade; improvisaram tudo. É verdade que depois desse trabalho, havia farinha de trigo esparramada por todo o canto, na cozinha, nas barracas e até nas camas... Mas é verdade também, que duas grandes macarronadas foram feitas e delas não sobrou nem “tiquinho” pra contar a historia! Estavam realmente uma delicia! Não, não é possível. O POCI e o CICCARINO são tão; “bambas” na arte culinária que nos fazem pensar em duas hipóteses: ou noutra encarnação foram duas cobiçadas cozinheiras de alguma abastada família italiana ou, então, devem ter cursado alguma academia de “forno e fogão”. Queremos ficar na segunda hipótese. Todos, enfim, trabalhavam febrilmente nos dias de descanso, inclusive nós que fomos, mais uma vez, encarregados da reportagem descritiva e fotográfica da caçada e também do serviço de recepção ou relações exteriores... E, Oxalá possamos; ter correspondido à confiança que em nós foi depositada. Do contrario, só nos resta pedir benevolência à turma e aos amáveis e pacientes leitores desta consagrada “Caça e Pesca”, pelos senões ou lapsos voluntários e involuntários... Antes, porem; quero confessar que não temos pretensões literárias... E se o quiséssemos, nem poderíamos tê-las, porque para um quase analfabeto, mais difícil se torna a já difícil arte de escrever! Contudo, a reportagem não está terminada. Resta descrever a parte mais notável de toda a caçada e que constituiu seu capitulo mais honroso e culminante:
Depois da memorável caçada o jantar que a turma ofereceu ao Governador Adhemar de Barros na chácara da família Saraceni, S. Excia prestou carinhosa recepção à turma, acolhendo-a, com todas as honras da amizade, no salão vermelho do Palácio dos Campos Elíseos. Vemos, na foto a contar da esquerda: PALMIERI, POCI, JURANDYR, o secretário de segurança o Cel. de Aquino, s. excia o Governador Adhemar de Barros e EUGENIO SARACENI, de pé e na mesma ordem: CHICO VIEIRA, Cap. Condeixas, EZIO VIGGIANI, JOSÉ PEDRO MASINI, JOSÉ IMPÉRIO, Major Heládio Vidal Correa, MENANDRO BLANC, PEDRO DA ROCHA CHUERI, Dr. Benedito Véras, do Gabinete de Investigações.





XIV - A PARTICIPAÇÃO DO GOVERNADOR ADHEMAR DE BARROS.

No acampamento e nas fazendas vizinhas, o assunto mais comentado era o da possível participação na caçada, do exmo Sr. Dr. Adhemar de Barros, DD. Governador do Estado de São Paulo. Quanto a essa possibilidade, o ceticismo, predominava na maioria da turma e dos fazendeiros.
- “Qual”, diziam eles: “Como pode abalar-se, de São Paulo até aqui, um homem tão importante e atarefadíssimo como o Sr. Governador do grande Estado de São Paulo?” E para reforçar a incredulidade, argumentavam que sua excelência não se sujeitaria a uma viagem de 1.100 km, mesmo vindo de avião até Guarapuava, pois o mais duro seria o trecho de Guarapuava até o acampamento em “Capão Grande”, gastando nesse percurso fatigante, cerca de 4 horas! Realmente, eram 100 km de estrada bem acidentada, com muitos ar____, rampas muito íngremes e duas balsas morosas para a travessia dos rios “Jordão” e “Pinhão”. E como remate; apontavam a ausência de conforto na barraca, no acampamento, isso sem contar com o frio daquele planalto, principalmente à noite, numa altitude de 1.200 metros! Dessas dificuldades todas, porem, já estava a par o governador, que assim mesmo nos prometera vir. E nós tínhamos plena convicção que s. excia não faltaria, como, aliás, nunca faltou à palavra empenhada! Foi essa certeza, foi essa convicção que nos fez discordar daquelas ponderações, que, na verdade, se baseavam num carinhoso intuito de proteção a s. excia. Além do mais, conhecíamos-lhe a gigantesca figura moral do caráter nobre, os dons privilegiados de sua formosa e aprimorada inteligência, a emotividade do coração magnânimo sempre aberto à expansão do bem, a rija fibra de lutador intimorato, a chama olímpica e os pendores cinegéticos, virtudes essas emanadas do brasão atávico, e que o governador fez, delas, o esteio de sua vida e o escudo para a conquista de suas glorias. Estadista insigne e dinâmico, tendo o coração e o pensamento sempre voltados para a grandeza da Pátria, sabíamos que o governador, nas elevadas mais árduas funções de chefe de governo, necessitava de um pequeno repouso, que fosse, para refazer parte das energias gastas na constante solução dos magnos problemas sociais, econômicos e políticos de nosso glorioso e altaneiro Estado de São Paulo! Com essas reflexões, permanecemos na agradável expectativa da honrosa chegada de S. Excia... Eram 13:00 horas de nove de maio de 1948. Dia de Descanso. À sombra de arvores frondosas e amigas, tão amigas quanto nossos anfitriões, estávamos todos participando do memorável almoço oferecido à turma pelo nosso bom amigo “CHITA”e carinhosamente preparado por sua exma esposa. Macarronada, arroz, leitoas, frangos, galinhas recheadas, churrasco de vitelas, vinhos, cervejas, gasosas, enfim, um verdadeiro manancial de piteis e bebidas, tal a fartura desse autentico banquete medieval com que a tradicional bondade do “CHITA”nos brindou e a quem mais uma vez rendemos nossas homenagens de reconhecimento e gratidão, extensivo à sua exma esposa e filhos. Em meia a ágape, veio um mensageiro entregar um telegrama do vigilante e prestimoso; Dr. Altino Borba avisando-nos que do Palácio do Governo em Curitiba haviam recebido aviso de que possivelmente o Dr. Adhemar de Barros, chegaria a Guarapuava ao anoitecer e que no dia seguinte deveríamos aguardá-lo no acampamento. Todos se entreolharam, surpresos e admirados! Todos, menos nós, que tínhamos a certeza de que s. excia viria! Imagine-se, pois, nossa alegria e orgulho! Emocionada, toda a turma se levantou para brindar a grata noticia com vivas ao Dr. Adhemar de Barros, preclaro Governador do Estado de São Paulo, “Seu” CHITA, homem simples e também admirador de s. excia, não se conteve e exclamou: - “Ôta home turuna!...” Nessa curta, simples, mais incisiva exclamação, ele havia dito tudo! Até o nosso pensamento! Na manhã seguinte, com exceção nossa e do Jurandyr, os demais componentes da turma partiram para a “pegada” de costume. A nós e ao Jurandyr, competia esperar s. excia ali no acampamento. E, realmente, cumprindo sua palavra, s. excia chegava ao acampamento às 11:30 horas da manhã, tendo feito a viagem num automóvel posto gentilmente a sua disposição pelo governador Moysés Lupion, estadista jovem e vigoroso e um dos grandes amigos de São Paulo. Instantes após chegava também a luzida comitiva do governador Adhemar de Barros, composta das seguintes personalidades: Srs. Capitão Alfredo Condeixa Filho, sub-chefe da Casa Militar; Tenente Delfim Cerqueira Neves, ajudante de ordens; Dr. Benedito Véras, da Secretaria de Segurança; Sr. Francisco Bernardo Vieira, da Casa Civil; Tenente Dr. Lázaro Nini Campos, da Força Policial do Paraná e posto à disposição do governador de São Paulo pelo governador Moysés Lupion; Capitão Gándara e Tenente Lupino; Capitão do Exercito Seixas, do contingente aquartelado em Guarapuava e que gentilmente se pusera a disposição de nosso hospede de honra, cumulando também de todas as atenções o Aspirante-Aviador Paes de Barros, com o seu avião, foi posto à disposição de s. excia, pelo Comandante da Quarta Base Aérea, sediada em Curitiba, e, finalmente, o Dr. Altino Borba, posto à disposição do Dr. Adhemar de Barros, pela turma de caçadores de “Capão Grande”. Depois que apresentamos à S. Excia nossos votos de Boas Vindas e agradecemos a honrosa presença desses hospedes ilustres de que, para que todos ficassem à vontade, desde aquele instante revogava suas prerrogativas de Chefe de Estado, abolindo, conseqüentemente, o tratamento de “Excia”, “Sr. Governador”. O que o governador quis e realmente conseguiu, foi ser considerado um simples caçador amigo e integrante da turma! De fato, a principio nos foi dificultoso evitar o protocolo a que s. excia faz jus e tem o mais amplo direito. Mas dali a pouco, era Dr. Adhemar pra cá e Dr. Adhemar pra lá, tendo s. excia aderido jovial e esportivamente a tudo quanto se relacionava com a vida rústica, mas deliciosamente fascinante e sensacional do caçador e do acampamento. A simplicidade desse eminente homem de governo fez abrir as portas do coração de todos os que, naquele três dias memoráveis, tiveram a honra de privar da intimidade de sua excia, numa sadia confraternização peculiar à Democracia e na qual s. excia é um dos maiores paladinos! Quando a turma regressou da caçada, à s. excia fizeram todos a apresentação de seus componentes, com os quais palestrou animadamente. Momentos depois chegavam ao acampamento, altas autoridades civis e militares, pessoas de projeção social e política, fazendeiros, sitiantes e outras figuras consagradas de Curitiba, Ponta Grossa, Guarapuava, Vila Nova do Pinhão, Pedro Lustosa e adjacências, que ali foram cumprimentar s. excia. Era mais uma consagração da amizade entre paranaenses e paulistas. Nunca o acampamento de “Capão Grande” viveu momentos tão brilhantes e históricos como aqueles. E, para comemorar acontecimento tão auspicioso, o Sr. Juvenal Machado, ilustre e dinâmico prefeito de Guarapuava, propôs a ereção de um obelisco, para que nele ficasse gravada a honrosa visita do Dr. Adhemar de Barros, dd. Governador de São Paulo. O Dr. Altino Borba, a seguir propôs que o nome de “Capão Grande” fosse substituído pelo de “Capão da Amizade!” Essas propostas por demais sensibilizantes, foram aprovadas por aclamação e constaram da ata redigida pelo próprio Dr. Altino Borba e por todos solenemente; assinada, É preciso consignar aqui um alto agradecimento pela espontânea e carinhosa manifestação de simpatia e apreço, que, na véspera, o povo, a câmara e o prefeito de Guarapuava prestaram ao governador Adhemar de Barros, quando S. Excia ali chegou no seu avião “Stinson”, acompanhado de sua comitiva. Ao desembarcar foi s. excia saudado pelo Governador Moysés Lupion, que ali fora especialmente aguardar a chegada do governador de todos os paulistas. Fizeram uso da palavra, na recepção da chegada em Guarapuava, além do governador Lupion, o prefeito Juvenal Machado, o Dr. Altino Borba e outros oradores, cujos nomes não pudemos anotar. Por último, falou o Governador Adhemar de Barros, que de improviso pronunciou formoso e eloqüente discurso de agradecimento. É de inteira justiça que destaquemos, também, as inconfundíveis gentilezas prestadas ao nosso preclaro governador, à sua comitiva e a todos os caçadores, pelo prefeito Juvenal Machado e sua exma esposa, motivo porque, de coração e profundamente desvanecidos, em nome de S. Excia e no de toda a turma renovamos os mais altos agradecimentos. Ao Dr. Altino Borba, o nosso sempre lembrado “salute”, a esse paranaense de Ponta Grossa que sabe engrandecer a já tradicional hospitalidade do povo da maravilhosa terra dos pinheirais, reservamos, como prova de gratidão e amizade, este sincero e caloroso agradecimento, por toda a valiosa cooperação prestada à S. Excia às demais autoridades e à nossa modesta turma de caçadores do agora legendário e histórico “Capão da Amizade!”.

XV - UM CAÇADOR EXIMIO.

Após o almoço e breve repouso, o Sr. Governador resolveu dar uma “pegadinha”. Coube-nos a honra de acompanhá-lo nessa incursão cinegética. Para tal fim, levamos o nosso “Déro”, um perdigueiro mestre com alma de gente. De automóvel fomos até a casa do “Seu Chita”, e dali seguimos a pé até os campos do “Seu Adolfo”, acompanhado pelo prestativo e bondoso amigo Sr. Fausto Pinheiro, dono e escrivão do principal cartório daquela zona. Assim que entramos na campanha interminável, nosso “Déro” iniciou a “busca”, penteando o campo à esquerda e à direita, distanciando-se no máximo uns cem metros. Cada uma dessas batidas de galope espichado só um “pointer” pode fazer com velocidade e elegância, o nosso perdigueiro levanta a cabeça e... Sente o “vento”, segue em “câmara lenta” uns trinta metros, até estacar com a imobilidade de uma estatua! “Déro”, com os músculos retesados e olhos fixos e brilhantes, “cachimbava”... Aguardando a voz de comando. S. Excia aproxima-se, e calmamente manda o cão seguir... Este avança e a perdiz salta farfalhante assustada e num curto encastelamento”, deriva para a esquerda, numa veloz “ponta de asa”. Foi o momento culminante para todos nós, mas o Dr. Adhemar, com rapidez incrível, leva a arma ao ombro e com um tiro certeiro atinge a perdiz, que cai fulminada! “Déro” então vai buscá-la e todo orgulhoso aproxima-se, levanta-se apoiado nas patas traseiras e entrega a perdiz à altura do peito do Sr. Governador, que a recebe acariciando o cão. Ao felicitarmos S. Excia por tão belo tiro, ele agradece mas, delicadamente , afirma não ter sido ele e sim o fator sorte, o único responsável por aquele sucesso! Mas adiante, porem, a mesma cena se repete. “Déro” torna a estacar e o governador abate outra perdiz, esta agora, de “ponta de asa” para a direita! Outro tiro magnífico! Indiscutivelmente o nosso Governador era bom na mira e no gatilho. Para confirmar sua perícia, alem dessas duas perdizes, S. Excia derrubou varias codornas, errando apenas duas! Qual! Não havia mais duvida, e S. Excia não mais podia esconder-se nas névoas da modéstia. Dotado de excepcional calma, julgando com rápido golpe de vista e pronta decisão, S. Excia provara ser um caçador e atirador exímio! E também um bom andarilho, pois, sem treino algum, agüentara firme aqueles seis quilômetros de caminhada! Enquanto caçávamos, ouvia-se do lado oposto o “foguetório” do Chico Vieira, do Capitão Condeixas, do Tenente Delfim e do Dr. Véras que também tinham ido caçar, acompanhados pelo Jurandyr, Menandro e Pedrão. E quando terminamos reunimos na venda do “Seu Chita”, esses simpáticos e dedicados auxiliares do Sr. Governador, não decepcionaram S. Excia, pois, orgulhosos, também traziam, estranguladas nos penduradores, várias codornas! O Mais modesto deles todos foi o Tenente Delfim que, segundo afirmou, abatera cinco codornas, depois de ter assustado e errado mais de vinte! E que aquelas mesmas que derrubara, ele não sabia explicar como tinham caído! A única explicação lógica, segundo ele é a de que tinham morrido... De susto! Na verdade gastaram toda a cartucheira, mas nenhum deles voltara “sapateiro”! E essa é uma questão de honra. As estrelas já luziam na escuridão daquela noite fria, quando regressamos satisfeitos ao acampamento. No jantar, S. Excia não esquecera o “Déro”. Mandou-lhe um bom pedaço de perdiz preparada no leite que o “bicharedo” devorou num instante. Essa homenagem para aquele animalzinho tão humilde e nosso amigo, nos sensibilizou bastante! Depois do jantar e em nome da turma tivemos a honra de saudar o Sr. Governador e sua brilhante comitiva. Falou também o Dr. Jurandyr, tendo S. Excia respondido às alocuções com palavras de amizade e carinho . A seguir nos reunimos ao “pé do fogo” para as anedotas do costume. S. Excia fez, então, causa comum conosco; riu a valer e nos fez rir, como fino “conteur” que é. Já era tarde quando S. Excia e sua comitiva se recolheram à barraca do POCI para dormir. Ao despertar na manhã seguinte S. Excia nos informou que graças à turma, era a primeira vez que em quatorze meses de governo pudera dormir durante nove horas consecutivas! Ficamos satisfeitos com aquele elogio. Antes do café, o Sr. Governador tomou um banho na cachoeira. Depois, S. Excia ficou ali pelo acampamento, de igual para igual, observando, perguntando, “mateando”. Contando episódios interessantes de sua vida, das suas lutas... Reportou-se longamente sobre a política do mundo, do Brasil, dos Estados e, em particular, de São Paulo, revelando-se profundo conhecedor das causas e dos mais sérios problemas que afligem os povos. Falou da doutrina social e progressista, de seus planos e realizações de governo, dos políticos, das injustiças e calunias, das traições e seus “Iscariotes”, da ingratidão, mas em toda a fluência de suas palavras sinceras e candentes de patriotismo, jamais vislumbramos o menor ressentimento ou rancor no coração. Esse o verdadeiro Adhemar de Barros – o patriota, o bandeirante, o estadista, o governador, o político, o médico, o lavrador, o industrial, o esportista, o amigo bom, sincero e leal. E que, de corpo, alma e coração, sempre teve o pensamento e as ações voltadas para o bem de São Paulo e grandeza da Pátria brasileira! Sim! Esse é que é o autentico, o inconfundível Adhemar de Barros que conhecemos e admiramos! O outro Adhemar de Barros, só existe pintado na imaginação facciosa de muitos, e, o que é pior, deformado pelas tintas da Inveja, do despeito e do ódio dos seus inimigos!
Às 14:00 horas foi servido um churrasco que a turma ofereceu ao Dr. Adhemar e demais autoridades, No preparo desse churrasco devemos destacar as habilidades do próprio Capitão Condeixas, do Chico Vieira, do Ten. Delfim e do Antonio Sossela Filho, chofer do governador Moysés Lupion. E sem tirar os méritos dos demais, ao infatigável Sossela é devem caber os maiores louvores, pois, com perícia de veterano, foi ele quem preparou o jirau, os espetos, a carne e o assado desse delicioso repasto. A contribuição maior, porem, foi a do prezado e bondoso amigo Sr. João Ribas, proprietário da Fazenda “Capão Grande”, onde estávamos acampados, e que gentilmente nos presenteou a gorda e magnífica novilha que transformamos nesse inesquecível churrasco. Ao escurecer, lamentamos ter que nos despedir do Chico Vieira, que em missão particular antecipou o seu regresso a São Paulo. A noite repetiu-se a mesma rotina das noites anteriores: jantar, comentários, anedotas e cama.

XV – O REGRESSO

Na madrugada do dia seguinte, com muito pesar; iniciamos a desmontagem do acampamento, no que fomos auxiliados pelo próprio Governador e componentes de sua comitiva. Às 9:00 horas, ao passarmos por “Vila Nova do Pinhão”, nosso Governador foi alvo de novas homenagens e, nós outros, está claro, continuamos aproveitando as “casquinhas”... O promotor dessa festa de despedida, outro não era senão o incansável Juvenal Machado, prefeito de Guarapuava. Ali estava reunida toda a população e apesar da hora, outro grande churrasco foi servido, tendo S. Excia e a turma, avançado com muito apetite. Com muitos aplausos, dois belíssimos discursos foram pronunciados de improviso: o do Prefeito Juvenal Machado e o do Governador Adhemar de Barros. Ao champanha, servido na residência do Sr. Prefeito, coube-nos o privilegio de fazer um brinde de honra e felicidade do ilustre casal Juvenal Machado. Dali; prosseguimos viagem até Guarapuava, onde o Dr. Altino Borba, em sua residência, ofereceu um beberete à S. Excia e toda a caravana. Às 14:30 horas, com os nossos votos de Boa viagem e muitos abraços, o Sr. Governador despediu-se, comovido e, partiu de regresso a São Paulo, levando a bordo do seu “Stinson” de 4 lugares, além do piloto, o Cap. Condeixas e o Ten. Delfim. No possante “Beechcraft” pilotado pelo aspirante Paes de Barros, seguiram até Ponta Grossa, o Menandro, o Pedrão e o Jutahy. O resto da turma viajou nos dois “Ford”.

XVI – DESFAZENDO CALUNIAS.

Desfazendo uma calunia assacada contra o Sr. Governador do Estado, pelo jornal “CORREIO PAULISTANO”, o Sr. Eugenio Saraceni, uma das figuras mais expressivas da cinegética e do tiro ao vôo bandeirante e mesmo do Brasil, e um dos grandes valores do Clube Paulistano de Tiro, dirigiu aquele conceituado órgão de imprensa paulistana a seguinte carta:
“ILMO.SR. Redator chefe do CORREIO PAULISTANO”.
Prezado Senhor:
Na qualidade de amigo e companheiro de caçadas do Sr. Governador Adhemar de Barros e, tendo com S. Excia participado da caçada realizada em Ponta Grossa, no sábado e domingo ultimo, não posso, eu e os 8 caçadores que integraram a caravana dessa excursão cinegética, deixar de estranhar as inverdades contidas na notícia que a respeito esse brilhante matutino publicou em sua edição de hoje, dia 27, sob a epigrafe: “O Governador infringe o Código de Caça e Pesca”.
Por esse motivo e a bem da verdade; virtude essa que ultimamente não vem sendo cultuada pelos amantes do maquiavelismo; solicito a permissão para contestar aquela noticia, com os esclarecimentos que passo a expor:
1 – De há muito que o Sr. Governador Adhemar de Barros é componente de uma turma de caçadores Paulistas e Paranaenses, entre os quais tenho a honra de figurar.
2 – Os componentes dessa turma, em número de doze, são veteranos caçadores e atiradores, cuja maioria ocupa postos diretivos nas duas maiores entidades de Caça e Tiro de São Paulo, cabendo a ambas não só difundir esses salutares esportes, como defender as leis de proteção à fauna e à flora, em boa hora estatuídas pelo governo da União, no Código Federal de Caça e Pesca.
3 – Na caçada a que se refere o vosso conceituado jornal e da qual participou o Senhor Governador, realizada mais com o intuito de proporcionar um merecido repouso a S. Excia, cooperaram nove caçadores da turma e, em três dias de caçada, foram abatidas 78 codornas, 9 perdizes e 1 narcejão, totalizando 88 peças.
4 – Esse o verdadeiro total de peças abatido por toda a turma de 9 caçadores, neles se incluindo o Sr. Governador, que caçou apenas algumas peças no período da manhã de domingo e não no sábado, como foi anunciado.
5 – A média de caça abatida por pessoa, calculada na base de 9 caçadores, foi, pois, de pouco mais de 3 peças por dia.
6 – A lei estabelece o limite de 12 codornas e 4 perdizes por pessoa em um dia de caçada. Sendo assim, 16 peças X 9 caçadores dão o total de 144 peças por dia. Multiplicando-se esse total por 3 dias de caçada, teremos 432 peças, que podiam ter sido abatidas e não 88, como o foram, por 9 caçadores!
Dessas 88 peças, 84 foram presenteadas pela turma ao Sr. Governador que, ao desembarcar no aeroporto de Congonhas, na tarde de domingo e sob a curiosidade e admiração de muitas centenas de pessoas ali presentes, foram fotografadas pelo famoso campeão de tiro e repórter fotográfico das “Folhas”, Sr. Sergio Linn.
O mais foi tudo engendrado para colocar mal S. Excia e nem mesmo um leigo pode acreditar ser possível a um caçador abater, num só dia de caçada, 84 perdizes! A noticia, pois, alem de ser estapafúrdia e ridícula, chega a provocar gargalhadas de todos os caçadores que, como eu, não desconhecem a escassez de codornas e perdizes nas campanhas do Brasil e, por isso, quanto é difícil abater as 4 perdizes permitidas pela lei.
Um órgão exponencial da imprensa bandeirante e com larga projeção no país, como o tradicional e respeitável “Correio Paulistano”. Não devia e não deve se expor ao ridículo, a não ser por razões que ignoro, publicando noticias baseadas em informações levianas, ou deturpadas pelo sistemático e aleivoso propósito de combater S. Excia até em seus passeios e distrações vexatórias, em tentativas sempre frustradas de antipatizá-lo perante a opinião pública.
Felizmente, o povo não mais se deixa enganar por balelas, e quando percebe o logro de que foi vitima, ou qual o mesquinho objetivo das calunias assacadas contra S. Excia, sua reação se transforma num caudal de maior simpatia e admiração pelo caluniado.
Essa a verdade, a pura verdade, sobre a caçada da qual participou, apenas na manhã de domingo, o Governador Adhemar de Barros.
E se o que afirmo não basta como prova, invoco, então, o testemunho de meus companheiros naquela caçada, o testemunho de altas autoridades civis e militares do Paraná, dos fiscais de caça e pesca, de fazendeiros e sitiantes e, se preciso for, até as insuspeitas figuras de altos próceres do PSD e da UDN, da maravilhosa e hospitaleira terra dos pinheirais e que foram ali cumprimentar S. Excia.
Agradecendo a publicação deste reparo, firmo-me com elevada estima e apreço, de V. S.
(a) “Eugenio Saraceni”

F I M







Créditos:
Iramaia Farah: Por ter conseguido as revistas Caça e Pesca de 1948.
Luiz Fernando Bartolomei Fink: Por digitalizar o artigo.
João Carlos Amodio: Pela transcrição.
2008.